domingo, 21 de novembro de 2010

Tal pai, tal filho

Cavaco Silva, no outro dia (e bem), a propósito da entrada iminente do FMI em Portugal, e na sequêencia de uma série de gaffes de membros do Governo e  outras figuras destacadas, disse ser altura de poupar em palavras. Aproveitou o momento, não só para ditar o que se impunha mas também, em larga medida, para tentar justificar o gritante silêncio a que se remeteu em momentos-chave do mandato que agora se aproxima do fim.

Por seu turno, Pedro Passos Coelho, que desde que foi eleito líder do PSD não se fartou de bradar que fazia e acontecia, qual "animal feroz", estratégia que culminou num autêntico chinfrim, até à votação na generalidade do OE/2011, desde há dias, quando se encontrou com Cavaco Silva, na sede de candidatura deste, também aproveitou o momento para "mudar a agulha", adoçando a voz do seu Partido e tomando à letra o conselho do Prof. Cavaco, tanto, tanto, que agora parece ter emudecido.

Já alguém reparou que Passos Coelho e Cavaco Silva parecem estar em plena osmose, sendo que o outrora líder da Jota adoptou a táctica do mais fiel mimetismo relativamente ao "pai", Cavaco?

Que parecidos que eles estão. Tal pai, tal filho. Realmente, na política portuguesa, continua a fazer escola a teoria de que, "o que é preciso é estar lá, nada dizer, nada fazer, e deixar passar tempo". 

Cimeiros em cimeiras

Para lá dos resultados emanados da Cimeira da NATO, para lá das referências expressas por muitos à impecabilidade com Portugal soube organizar e acolher um encontro desta envergadura, o que muito nos prestigia e dignifica, haverá outra nota que vem a propósito:
É que os portugueses, talvez como nenhum outro povo no concerto das Nações, têm uma propensão natural para o diálogo, a mediação, a concórdia... numa palavra, para o universalismo. Somos cimeiros quando se trata de conciliar, pois a massa de que somos feitos presta-se a às mais variadas pontes diplomáticas, geopolíticas e civilizacionais. 
Tem-se falado muito na nossa falta de desígnios estatégicos. Pois bem; um dos desígnios vai ter de passar por aqui. Quem sabe se não seremos o País com maior potencial para, no contexto da Organização das Nações Unidas, promover a tão reclamada reforma institucional da ONU, desajustada e distante que hoje está da realidade pós-II Guerra Mundial, quando foi criada?  

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A Pátria agradece

Numa iniciativa inédita, o juiz-presidente do Tribunal de Alenquer, Afonso Dinis Nunes, decidiu reduzir o seu horário de trabalho em cerca de duas horas diárias, por causa do corte de 600 euros a que o seu salário vai ser sujeito. O ministro da Justiça, Alberto Martins, evitou comentar o caso, remetendo responsabilidades para o Conselho Superior de Magistratura (CSM), o órgão de gestão e disciplina dos juízes. Ao PÚBLICO, o juiz José Manuel Duro, do CSM, confirmou que o caso está a ser averiguado, para aferir se será ou não de "tomar alguma medida". Até lá, "não há comentários a fazer". (...)

Fonte: Público, 13.11.2010
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Pois bem...
Este insólito caso seria motivo para o mais rápido processo disciplinar da História do CSM:
Aberto o inquérito, o instrutor haveria de perguntar ao magistrado - "V. Exa. quer retratar-se, ou mantém o que disse, no despacho de fls. tal do Processo tal?"
Em retratando-se, o juiz haveria de levar uma reprimenda e ser punido com uma solene pena de advertência.

Caso contrário, a decisão haveria de ser tão clara quanto telegráfica:
"Ouvido o arguido, tendo este mantido as declarações exaradas, o CSM agradece os serviços prestados à Pátria pelo dr. Afonso Dinis Nunes, e decide aplicar-lhe a pena de demissão, por forma a que o magistrado se veja livre do exercício das funções, e possa, assim, dispôr de tempo inteiro para se dedicar às tarefas privadas que invoca não poder prescindir ".

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Quem são os loucos?


Parava no café quando eu lá estava
Na voz tinha o talento dos pedintes
Entre um cigarro e outro lá cravava
a bica, ao melhor dos seus ouvintes

As mãos e o olhar da mesma cor
Cinzenta como a roupa que trazia
Num gesto que podia ser de amor
Sorria, e ao partir agradecia

São os loucos de Lisboa
Que nos fazem duvidar
A Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar

Um dia numa sala do quarteto
Passou um filme lá do hospital
Onde o esquecido filmado no gueto
Entrava como artista principal

Compramos a entrada p'ra sessão
Pra ver tal personagem no écran
O rosto maltratado era a razão
não aparecer pela manhã

São os loucos de Lisboa
Que nos fazem duvidar
A Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar

Mudamos muita vez de calendário
Como o café mudou de freguesia
Deixamos de tributo a quem lá pára
Um louco a fazer-lhe companhia

E sempre a mesma posse o mesmo olhar
De quem não mede os dias que vagueam
Sentado la continua a cravar
Beijinhos as meninas que passeiam.

São os loucos de Lisboa
Que nos fazem duvidar
A Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar.

(letra «Loucos de Lisboa», Ala dos Namorados)

Qual o significado deste gesto?

É impressionante o modo como os lisboetas se juntaram no Saldanha para um gesto em que toda a Cidade se revê - uma manifestação em homenagem ao "senhor do adeus", com quem todos se cruzaram, agora, no dia em que partiu. É também muito interessante verificar o efeito multiplicador que os media, blogosfera e redes sociais, ao fazerem eco do desaparecimento desta figura de Lisboa, e de como conseguiram mobilizar o povo para a rua.   

Que significado terá este "Adeus", de centenas de pessoas, para além da homenagem, em si mesma? Será que vem aí um reforço do sentido de comunidade e o reconhecimento implícito de que não é mais possível continuarmos a viver como nas últimas décadas, demasiado alheados, indiferentes e demissionários de zelar pelo "espaço público", seja uma praça ou rua, uma freguesia ou vila, uma cidade ou país?

Adeus indiferença.
Olá participação!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

(des) Ordem com advogados

O debate a que assistimos na SIC/N, em directo, entre os 3 candidatos a Bastonário foi oco e fraquinho. A começar pelo moderador, Carlos Andrade, que não revelou grande jeito para a função. Por que não foram buscar Sofia Pinto Coelho, por exemplo?

Quanto aos contendores: 
- Luís Filipe Carvalho, o mais novo e bom comunicador, esteve demasiado agarrado ao mandato de Rogério Alves, como que a necessitar de apadrinhamento. Ficou aquém do potencial que parece ter;
- Fragoso Marques, supostamente o rosto da "evolução tranquila", redondo, redondo, redondo. Não se percebe bem o que quer, mas percebe-se que será uma figura benquista a alguns "barões", muito afoitos a salamaleques, tiradas vãs e sinecuras, para quem a Ordem há-de ser, sobretudo, uma espécie de "Palácio de Belém no 10 de Junho, com medalhas e honrarias para todos;
- António Marinho Pinto, igual a si próprio, no contra-ataque, na linha de um discurso cuja voz advogados, demais operadores judiciários e opinião pública já se habituaram.

O Estado definha e os cidadãos estão demissionários do exercício dos poderes/deveres que têm. A Ordem dos Advogados parece seguir-lhes o exemplo. Faltam figuras que imponham "autoridade natural", e que consigam transparecer que estão ali descomprometidas e livres. A pulverização dos poderes de cada vez maiores pequenos poderes de facto está a dar cabo de Portugal.     

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Seven

Batemos a barreira dos juros a 7%, limite fixado pelo Ministro Teixeira dos Santos, por outras palavras, para "atirar a toalha para o tapete" e recorrer ao FMI. Não é o tempo de julgamentos sumários ou contemporizações e, muito menos, paliativos. Deixemos a árvore e fixemo-nos na floresta. O Primeiro-Ministro deve remodelar o Governo. Já.
A começar pelo "Ministério-vértice" do trabalho alinhavado para o próximo ano e seguintes. José Sócrates tem de encontrar a sua "Ferreira Leite". Alguém que seja a encarnação, reconhecidamente, da austeridade, firmeza, rigor e contenção nas Finanças Públicas. Teixeira dos Santos devia sair. O cargo deve ser confiado a uma figura que vire a página e comece amanhã, como se amanhã fosse o 1º dia do Ano Novo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pobres e mal agradecidos

Depois da perorações contraproducentes sobre "a questão da culpa", e tiradas pacóvias do género "pobres e mal agradecidos", que iam deitando o aturado acordo entre Governo+PS+PSD na sarjeta, ao 2º dia de discussão do OE/2011 e votação, na generalidade, duas figuras decisivas acabaram por salvar a "honra do convento": Manuela Ferreira Leite e Francisco Assis.

Manuela Ferreira Leite

De uma penada, conseguiu impor autoridade e sentido de Estado, onde reinava balbúrdia e "guerrinhas de dentes". Colocou o Governo "em sentido", meteu o Ministro das Finanças "no bolso" (ditando-lhe, quiçá, a candidatura a remodelável), "fez o BE e o PCP "baixarem a bola" e, nas entrelinhas, aproveitou para dar a maior sova a Pedro Passos Coelho que este alguma vez levara deste que foi eleito Presidente do PSD. Que se cuide, também ele...

Francisco Assis

Levando de empenho uma missão crucial, de esforço continuado, soube manter a lucidez de quem é capaz de se elevar do "gira baixinho", acalmou desatinos imberbes da sua Bancada, não perdeu o norte ante as derivas da novela e acabou por revelar-se, pelo lado do PS, na pedra angular do Orçamento, finalizando com um bom discurso, à altura do momento.

Governo, PS e PSD bem podem agradecer a estas duas figuras pelo tanto que, em sede parlamentar, já foi possível levar a termo.

Quanto a José Pedro Aguiar Branco, no 1º dia, e Augusto Santos Silva, no 2º, esses, apartando-se, acabaram por unir-se, tornando-se cúmplices num farisaísmo tão deplorável quanto burlesco. Perderam uma boa ocasião para estar calados - foram pobres e mal agradecidos.     

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Twit & twist


"O dia em que começou a ser debatido o Orçamento do Estado no parlamento foi também o dia escolhido por Cavaco Silva para estrear-se com comentários regulares noTwitter. "A actuação do Presidente da República não pode contribuir para o espectáculo público de cinismo ou de agressividade," diz na primeira mensagem, enviada já depois de terminados os trabalhos na Assembleia da República.

Sem referir destinatários concretos, publica quase de seguida uma nova mensagem: "Vejo com muita apreensão o desprestígio da classe política e a impaciência com que os cidadãos assistem a alguns debates."

O ainda Presidente da República reafirma depois o empenho na "promoção da estabilidade" e "na afirmação de uma cultura de diálogo e de compromisso por parte das forças políticas e dos agentes económicos e sociais". Mas num twit mais recente confessa que "estas exigências são particularmente intensas nos tempos difíceis em que vivemos."

A equipa de Cavaco Silva esclarece, também via Twitter, que a candidatura "vai usar todas as redes sociais" para comunicar e interagir com os cidadãos". (Sublinhados nossos).

Fonte: ionline, 03.11.2010
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Nada contra a utilização pelos políticos de redes sociais, fenómeno sociológico e comunicacional dos nossos dias. Mas, tendo em conta o grave momento e o teor da mensagem do Senhor Presidente da República, parece que Cavaco Silva "não está bom da cabeça".

Perante a notícia, acima reproduzida, a primeira coisa que ocorre é lembrar aquela pergunta, recorrente nas orais, no 1º Ano, em Direito Constitucional:
P - Em caso de impedimento temporário ou impossibilidade física permanente do PR, quem verifica?
R - O Tribunal Constitucional, nos termos da  CRP e da  Lei 28/82, de 15 de Novembro. 

Como diria o Prof. mais mediático do País:
P - O PR pode "twitar"?
R - Pode!
P - Mas pode "twitar" nos termos em que o fez?
R - Não! Não pode. Aí, o Tribunal Constitucional deve ser chamado a intervir, para verificar se o PR está na posse das suas faculdades.

Dor de alma


Segundo foi noticiado, os portugueses alhearam-se do primeiro dia de debate sobre Orçamento Geral do Estado para 2011. A ruptura entre os cidadãos e a política, cada vez mais funda, cada vez mais irremediável, bem pode dar para o torto um destes dias. Pressente-se. E sente-se que os nossos políticos estão amedrontados. Vai daí, em vez de lucidez e coragem, investem em fugas para a frente. O que se passou na Assembleia da República, neste 02 de Novembro, de má memória, por cima da vergonhosa novela exibida durante a negociação do Acordo/OE2011, foi apenas mais lenha para a fogueira. 

Triste. Muito triste. Dolorosamente triste.
Sentido de Estado? Ali, pouco ou nenhum.

Um Governo que se arrasta numa agonia de meter dó.
Um PS rançoso, sufocado, e desguarnecido na dúvida que começa a pairar, entre defender o quartel e abandonar o seu general. 
Um PSD ambivalente, cínico, manhoso e esfomeado por uma fatia dos lugares do aparelho de Estado, condição para a sua existência, enquanto partido de dimensão nacional.
Nas franjas, à esquerda, BE e CDU, cada um a gosto das suas bases sociológicas de apoio, ávidos para que o poder caia na rua. À direita, um CDS/PP que está longe de se apresentar como alternativa de coisa alguma, acantonado e refém, na expectativa do PSD vir a precisar dele.

Não haverá ninguém, em perfeito juízo, que possa dizer que o PS é capaz de levar esta Legislatura até ao fim. Como também não haverá ninguém que diga que qualquer uma das demais forças representadas no Parlamento tem capacidade para substituir o PS na governação. Pelo que se vê no Plenário da AR, nem PS mais PSD juntos.