quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O «diabo da Grécia» chegou a Portugal


 
Sobre a carga policial e as cenas de violência que ocorreram hoje, (dia de Greve Geral Ibérica), ao início da noite, em frente à Assembleia da República e na Avenida Dom Carlos I que, entretanto, já vimos e revimos várias vezes nas televisões, entendemos dizer o seguinte:
 
1. É inquestionável, como disse o Ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que os acontecimentos foram precipitados por uns poucos «profissionais da violência e da provocação». 
 
Na verdade, todo o País viu um grupo de mascarados a arrancar pedras da calçada e a arremessá-las contra a polícia, à mistura com outros objectos e atitudes que estão fora do quadro do exercício dos direitos, liberdades e garantias que a Lei e o Estado Democrático de Direito comportam;
 
2. Actuaram bem, pois, as forças de segurança, ao responder na «medida certa», tal como dita a Lei, em observação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Ao Estado Democrático cumpre guardar as liberdades democráticas e é dentro dessa «folga discricionária», nem sempre fácil de encontrar, que se pauta o uso da força, para conter ou reprimir males maiores e defender bens colectivos superiores;
 
3. Até aqui, estamos de acordo. Os manifestantes abusaram dos seus direitos e não há quem diga que as forças de segurança não actuaram em conformidade com a Lei e o bom senso.
 
Agora, a questão de fundo é outra:
 
4. Independentemente da questão estritamente legal e do uso da força, numa relação sempre tensa entre manifestantes e polícia, o certo é que esta noite fica marcada por violência nas ruas de Lisboa;
 
5. Independentemente dos actos de «meia dúzia de mascarados», o certo é que em frente à AR não se reuniam apenas «infiltrados». Estavam lá centenas de outros cidadãos, em protestos perfeitamente legítimos, que não podem ser apodados de «violentos»;
 
6. Independentemente de tudo, o certo é que as cenas tristes que se verificaram esta noite arrastam consigo um ambiente de crescente mal-estar social, cada vez mais agudo, sinal de  «grito» contra o desemprego, a emigração, a pobreza, a fome e a revolta, contra o pântano em que o País se encontra e os enormes sacrifícios, sem que alguém saiba explicar qual o seu sentido, sem que alguém saiba acender uma luz de esperança, sem que alguém afaste uma execução orçamental desastrosa, já no 1º Trimestre de 2013, e ainda a necessidade de uma renegociação do empréstimo externo, até aqui sempre negada e adiada, como ainda anteontem se viu, durante a visita a Portugal da Senhora Merkel;
 
7. Este é que é o ponto essencial. O País não acredita nas «profissões de fé» do Governo e o Povo não aguenta a ideia de nos vergarmos à aplicação de módulos com «soluções experimentalistas», sem garantia alguma;
 
8. É triste, muito triste, desolador (seja qual for a ocasião em que se acende a centelha da violência) vermos quebrar-se a coesão social, com um fosso que cresce e coloca portugueses contra portugueses, para mais quando estamos num impasse político e institucional, pois tanto partidos como órgãos de soberania já não conseguem encontrar outra solução que não seja ficar à mercê de envolventes que lhes escapam;
 
9. Parece pouco mais sobrar que alguns paliativos para prolongar o estado agonizante a que a III República chegou;
 
10. O problema de fundo é que a III República está nas últimas, e este Governo praticamente extinto;
 
11. O problema é que nem a III República reconhece a sua agonia, nem o Governo tem consciência do sentimento de raiva popular que, inevitavelmente, incide sempre mais sobre quem está no poder e dá a cara pelo «sistema»;
 
12. Não achamos que mandar o País para eleições resolva o problema. Mas alguma coisa vai ter que ser feita, antes que a situação se torne explosiva noutras proporções;
 
13. A Grécia, de que há uns meses parecíamos distantes, chegou a Portugal.
 
14. Tem a palavra o Senhor Presidente da República, com o «diabo grego» já metido cá dentro;
 
15. É bom que Cavaco Silva, que tem dado alguns «sinais», tome a iniciativa de actuar. Sabe-se que só o quererá fazer em último recurso. Oxalá o seu critério se revele adequado e proporcional, no modo e no tempo, tal como as actuações policiais até lá.