Todos se lembrarão do terramoto que em Janeiro de 2010 arrasou o Haiti. O mundo comoveu-se e a comunidade internacional promoveu uma onda gigante de solidariedade. De lá para cá, neste tempo de aceleradíssimas mutações, acompanhadas pela sociedade da informação, sucederam-se muitos outros focos graves. Entretanto, o Haiti saiu da agenda noticiosa, e hoje pouco sabemos do que lá se passa.
Mais re...centemente e mais perto de nós, em Julho de 2013, o Papa Francisco, na sua primeira viagem apostólica, visitou a ilha italiana de Lampedusa. Ali chorou os mortos do Mediterrâneo e apelou à coragem do acolhimento europeu a um êxodo do Médio Oriente e Norte de África de grandes proporções. Pediu um “despertar de consciências” e o combate à “globalização da indiferença”.
E aqui chegámos… à Europa das respostas que tardam em chegar, das vozes tímidas, dos muros, do “apartheid”, e da denegação dos nossos valores civilizacionais, que a todos cobre de vergonha e de medo.
Pelo lado do povo português, é um alento e sinal de esperança ver o modo como a comunidade nacional, através de diversas organizações da sociedade civil, se tem mobilizado e feito eco de uma alargada congregação de vontades para o acolhimento aos refugiados. Muito significativas, note-se, têm sido as mensagens dos autarcas do interior do País, cujos municípios mirram por falta de gente, para mais quando andámos 40 anos a dotar vilas e freguesias com infraestruturas e acessibilidades que ninguém usa e onde ninguém vai.
Impõe-se, pois, que a vontade manifestada por muitos não seja tão instantânea como “um clique” nas redes sociais. Importa também que o acolhimento seja planeado, de modo a que se evitem guetos na recepção dos que chegam, sobretudo em Lisboa e áreas limítrofes. Que não se dê lugar a que o voluntarismo inicial sucumba perante as dificuldades subsequentes que uma operação desta natureza sempre acarreta. Por fim, quem estiver à frente das iniciativas programadas que se concentre em cumprir a missão que lhe estiver atribuída, evitando “selfies” com a desgraça alheia.
Voltando ao Haiti, partilho abaixo as linhas de uma iniciativa que propus, conjuntamente com outros, a qual, todavia, naquela altura não foi possível levar por diante:
Exposição de Motivos
Considerando que:
1. Portugal, interpretando com fidelidade os sentimentos de consternação e pesar que ecoaram em todo o País, veio expressar institucionalmente a sua solidariedade ao Povo do Haiti pela tragédia que ali aconteceu a 12 de Janeiro, acompanhando ainda as mensagens endereçadas pela União Europeia e Organizações Internacionais que integra;
2. Todos os meios operacionais e os recursos humanos ao alcance do Estado e diversas ONG´s, para acudir no local, já foram accionados ou estão a ser preparados;
3. Perante o horror dos haitianos, muitos são os cidadãos e entidades que, não obstante quererem contribuir, sentem-se impotentes para dar a sua ajuda material, tal é a distância que os separa e as dificuldades de encaminhamento, ou a incapacidade para contribuir financeiramente;
4. As consequências da devastação e da fatalidade que se abateu sobre o Haiti, embora sejam ainda imprevisíveis em toda a sua extensão, permitem antever, todavia, um longo e penoso caminho de reanimação, que passará, inevitavelmente, por um êxodo em massa;
5. Será imperativo que os mais elevados princípios e valores humanos, que presidem a actuação da Comunidade Internacional - plasmados na Carta das Nações Unidas, que Portugal sufraga – sejam esforçadamente aplicados, de raiz, para que a ideia de Bem Comum possa ser fecunda e, assim, resgatar esperança e futuro aos sobreviventes do caos e da destruição.
Considerando ainda que:
6. Portugal e o Haiti estão laçados pelo legado de históricas relações transatlânticas, pontes inquebrantáveis entre o Velho e o Novo Mundo;
7. As populações do Haiti têm uma matriz cultural latina, de natureza similar à que os portugueses fundaram noutros pontos das Américas;
8. A realidade insular haitiana e a vida sob condição à determinante telúrica, por outro lado, apresentam algumas realidades que não nos são estranhas, em especial no caso das Ilhas dos Açores;
9. Aqui, ao longo dos mesmos cinco séculos de história, sensivelmente, é conhecida de memória a relação pendular, entre a terra de lava e os seus horizontes, entre ficar e abalar;
10. Já na segunda metade do Século XX, milhares de açorianos, sujeitos da tragédia e condenados à miséria, tiveram de partir, nomeadamente após a erupção do Vulcão dos Capelinhos, na Ilha do Faial, em 1957;
11. Pese embora noutro contexto, o certo é que, nessa altura, como é sabido, os EUA e o Canadá, designadamente, franquearam as suas portas, para que os sinistrados pudessem procurar e começar de novo, com luz à vista e possibilidade de alcançar condições de vida condignas;
12. Hoje, volvidos pouco mais de cinquenta anos, várias Ilhas que foram de embarque, entretanto, deram um salto qualitativo a todos os níveis, cuja sustentação, agora, em boa medida, depende dos incentivos vários para contrariar a sua desertificação, muito preocupante em certas localidades, diga-se;
13. Os açorianos são, reconhecidamente, um povo acolhedor e fraterno, na exacta medida em que conhecem a travessia do Atlântico, como nenhum outro em Portugal, e sentem, também sem paralelo, através do saber de experiência sofrida, a dor daqueles que necessitam de pão, casa, agasalho, e uma oportunidade para ver justamente compensado o mérito do seu trabalho:
Apelamos a Vossas Excelências que:
No uso dos mais elevados poderes que vos estão confiados, diligenciem junto da União Europeia e da Comunidade Internacional, por forma a serem desencadeados os mecanismos conducentes à prossecução das iniciativas da sociedade civil portuguesa em geral, começando pela açoriana, em particular, que em várias Ilhas, voluntária e graciosamente, está disponível para acolher desalojados do Haiti, na proporção dos seus recursos e à escala das suas possibilidades, salvaguardando-se consonância com os considerandos invocados.
Penhora-se este Apelo, sob forma de Petição, ao serviço do Bem Comum e da matriz humanista de Portugal, sem embargo deste Movimento poder ser alargado a outros que queiram vir associar-se à causa proposta.
Ilha das Flores, 23 de Janeiro de 2010
Mais re...centemente e mais perto de nós, em Julho de 2013, o Papa Francisco, na sua primeira viagem apostólica, visitou a ilha italiana de Lampedusa. Ali chorou os mortos do Mediterrâneo e apelou à coragem do acolhimento europeu a um êxodo do Médio Oriente e Norte de África de grandes proporções. Pediu um “despertar de consciências” e o combate à “globalização da indiferença”.
E aqui chegámos… à Europa das respostas que tardam em chegar, das vozes tímidas, dos muros, do “apartheid”, e da denegação dos nossos valores civilizacionais, que a todos cobre de vergonha e de medo.
Pelo lado do povo português, é um alento e sinal de esperança ver o modo como a comunidade nacional, através de diversas organizações da sociedade civil, se tem mobilizado e feito eco de uma alargada congregação de vontades para o acolhimento aos refugiados. Muito significativas, note-se, têm sido as mensagens dos autarcas do interior do País, cujos municípios mirram por falta de gente, para mais quando andámos 40 anos a dotar vilas e freguesias com infraestruturas e acessibilidades que ninguém usa e onde ninguém vai.
Impõe-se, pois, que a vontade manifestada por muitos não seja tão instantânea como “um clique” nas redes sociais. Importa também que o acolhimento seja planeado, de modo a que se evitem guetos na recepção dos que chegam, sobretudo em Lisboa e áreas limítrofes. Que não se dê lugar a que o voluntarismo inicial sucumba perante as dificuldades subsequentes que uma operação desta natureza sempre acarreta. Por fim, quem estiver à frente das iniciativas programadas que se concentre em cumprir a missão que lhe estiver atribuída, evitando “selfies” com a desgraça alheia.
Voltando ao Haiti, partilho abaixo as linhas de uma iniciativa que propus, conjuntamente com outros, a qual, todavia, naquela altura não foi possível levar por diante:
Exposição de Motivos
Considerando que:
1. Portugal, interpretando com fidelidade os sentimentos de consternação e pesar que ecoaram em todo o País, veio expressar institucionalmente a sua solidariedade ao Povo do Haiti pela tragédia que ali aconteceu a 12 de Janeiro, acompanhando ainda as mensagens endereçadas pela União Europeia e Organizações Internacionais que integra;
2. Todos os meios operacionais e os recursos humanos ao alcance do Estado e diversas ONG´s, para acudir no local, já foram accionados ou estão a ser preparados;
3. Perante o horror dos haitianos, muitos são os cidadãos e entidades que, não obstante quererem contribuir, sentem-se impotentes para dar a sua ajuda material, tal é a distância que os separa e as dificuldades de encaminhamento, ou a incapacidade para contribuir financeiramente;
4. As consequências da devastação e da fatalidade que se abateu sobre o Haiti, embora sejam ainda imprevisíveis em toda a sua extensão, permitem antever, todavia, um longo e penoso caminho de reanimação, que passará, inevitavelmente, por um êxodo em massa;
5. Será imperativo que os mais elevados princípios e valores humanos, que presidem a actuação da Comunidade Internacional - plasmados na Carta das Nações Unidas, que Portugal sufraga – sejam esforçadamente aplicados, de raiz, para que a ideia de Bem Comum possa ser fecunda e, assim, resgatar esperança e futuro aos sobreviventes do caos e da destruição.
Considerando ainda que:
6. Portugal e o Haiti estão laçados pelo legado de históricas relações transatlânticas, pontes inquebrantáveis entre o Velho e o Novo Mundo;
7. As populações do Haiti têm uma matriz cultural latina, de natureza similar à que os portugueses fundaram noutros pontos das Américas;
8. A realidade insular haitiana e a vida sob condição à determinante telúrica, por outro lado, apresentam algumas realidades que não nos são estranhas, em especial no caso das Ilhas dos Açores;
9. Aqui, ao longo dos mesmos cinco séculos de história, sensivelmente, é conhecida de memória a relação pendular, entre a terra de lava e os seus horizontes, entre ficar e abalar;
10. Já na segunda metade do Século XX, milhares de açorianos, sujeitos da tragédia e condenados à miséria, tiveram de partir, nomeadamente após a erupção do Vulcão dos Capelinhos, na Ilha do Faial, em 1957;
11. Pese embora noutro contexto, o certo é que, nessa altura, como é sabido, os EUA e o Canadá, designadamente, franquearam as suas portas, para que os sinistrados pudessem procurar e começar de novo, com luz à vista e possibilidade de alcançar condições de vida condignas;
12. Hoje, volvidos pouco mais de cinquenta anos, várias Ilhas que foram de embarque, entretanto, deram um salto qualitativo a todos os níveis, cuja sustentação, agora, em boa medida, depende dos incentivos vários para contrariar a sua desertificação, muito preocupante em certas localidades, diga-se;
13. Os açorianos são, reconhecidamente, um povo acolhedor e fraterno, na exacta medida em que conhecem a travessia do Atlântico, como nenhum outro em Portugal, e sentem, também sem paralelo, através do saber de experiência sofrida, a dor daqueles que necessitam de pão, casa, agasalho, e uma oportunidade para ver justamente compensado o mérito do seu trabalho:
Apelamos a Vossas Excelências que:
No uso dos mais elevados poderes que vos estão confiados, diligenciem junto da União Europeia e da Comunidade Internacional, por forma a serem desencadeados os mecanismos conducentes à prossecução das iniciativas da sociedade civil portuguesa em geral, começando pela açoriana, em particular, que em várias Ilhas, voluntária e graciosamente, está disponível para acolher desalojados do Haiti, na proporção dos seus recursos e à escala das suas possibilidades, salvaguardando-se consonância com os considerandos invocados.
Penhora-se este Apelo, sob forma de Petição, ao serviço do Bem Comum e da matriz humanista de Portugal, sem embargo deste Movimento poder ser alargado a outros que queiram vir associar-se à causa proposta.
Ilha das Flores, 23 de Janeiro de 2010