sábado, 7 de março de 2015

A política que vale a pena

 
Pedro Passos Coelho nunca foi político que me entusiasmasse. Nunca. Pedro Passos Coelho nunca cruzou o caminho que mais prezo na política. Nunca. Pedro Passos Coelho nunca se me afigurou uma referência política. Nunca.
 
Muitas têm sido as vezes em que tenho criticado a governação e as opções políticas de Pedro Passos Coelho. Muitas.
 
Muitas têm sido as vezes em que tenho pensado que Pedro Passos Coelho (juntamente com outros) provém de uma geração em que o carácter instrumental dos partidos sobrepôs-se à matriz originária das organizações políticas - de mediação, com autenticidade, entre a vida concreta dos cidadãos e a prossecução das reformas e do rumo a propor à comunidade. Muitas.
 
Muitas têm sido as vezes em que chego a admitir que o Governo chefiado por Pedro Passos Coelho será dos últimos, senão mesmo o último, antes que o agravamento das distorções do sistema político e a consequente ruptura do contrato social, obriguem o País a virar a página. Através da refundação do regime, com a edificação de uma IV República, irreparavelmente corroídos que estão os instrumentos e as instituições democráticas de há 40 anos. Muitas.
 
Que tem isto a ver com o “caso da SS”, que pôs o Primeiro-Ministro debaixo de fogo? Tudo.
 
Pedro Passos Coelho foi apanhado na curva dos ventos da História. Da sua história. Da história de um Portugal que está farto da classe política. Da história de um País e de uma zona da Europa a quem tudo foi prometido e agora a quem tudo parece negado, onde as pessoas não se conformam em ser proibidas de sonhar e ter uma vida decente.
 
Em primeiro lugar, por causa da elevação política que se requer, e em nome do mais elementar sentido de justiça, o “caso da SS”, diga-se, sendo objectivamente mau, (constituindo os factos pecha que impende sobre o Primeiro-Ministro, sobretudo por não terem sido assumidos e esclarecidos de uma penada) é uma “bagatela”. Nem mais, nem menos. Uma “bagatela”.
 
Uma “bagatela” que, de repente, ao cair como gasolina em palha seca, num ápice se tornou num “crime grave”, equiparável aos “crimes mesmo graves”, segundo os brados dos escribas e dos fariseus. Como se a faúlha de um facto lamentável tivesse rebentado com a noção da conta, do peso e da medida de uma escala de critério razoável.
 
Desde quando é que um cidadão, seja ele Primeiro-Ministro, deve ser trespassado, por ter pago o que devia mais os juros de mora, a título de “obrigação natural”?
 
Desde quando é que um cidadão, seja ele Primeiro-Ministro, deve ser confrontado com a possibilidade de um impeachment, por se ter verificado que, anos antes, cometera uma infracção fiscal no valor de € 5.000 euros?
 
Desde quando é que um cidadão, seja ele Primeiro-Ministro, tem de intimidar-se, recear ou hesitar na resposta a uma investigação jornalística e aos pedidos de esclarecimento, legítimos, dos partidos da oposição?
 
Mais:
 
Desde quando é que, numa democracia saudável, os principais responsáveis políticos, assim como os órgãos de comunicação social, não são os primeiros a apontar a falha, qualificá-la como inconveniente ou pouco abonatória, deixando, todavia, claro, que o julgamento da infracção e da reacção do Primeiro-Ministro, compete aos portugueses, nas urnas, quando Pedro Passos Coelho se propuser a eleições?
 
Desde quando é que, numa democracia saudável, o “caso da SS” constitui uma “batata quente” para o líder do principal partido da oposição, cujas declarações são tão atabalhoadas e cheias de tibieza quanto as do próprio visado, seu adversário?
 
Desde quando é que, numa democracia saudável, as bancadas parlamentares que suportam o Governo e que têm viabilizado, sem pestanejar, “o diabo a sete”, em diplomas altamente danosos para os portugueses (ainda há dias abespinharam-se muito com as declarações do Senhor Junker, a propósito da “dignidade”) estejam agora cheias de escrúpulo e temor, para reconhecer o que deve ser reconhecido e não deixar passar a lama que não é justo que passe?
        
O problema é que a democracia portuguesa não está nada saudável. O problema é que ninguém se sente à vontade para reagir a um sinal do vendaval que aí vem, quando, para não irmos mais longe, todos sabem que existem demasiados titulares de cargos políticos “demasiado imperfeitos”.
 
O problema é que a democracia portuguesa chegou a um ponto de surrealismo tal que, de repente, a figura da “defesa da honra”, que até aqui tudo permitia, passou a ser uma espécie de “venire contra factum proprium”.
 
O problema é que a democracia portuguesa, sucessivamente nivelada por baixo, deixou-se perverter, ao ponto do divórcio entre representantes e representados ser tão abissal que o laxismo parece ter dado lugar ao puritanismo, sem um único debate sobre o assunto. Com os políticos a actuar reactivamente, em função dos jornais, em vez de tomarem a dianteira da condução daquilo que é mais caro à causa pública, como lhes compete.
 
Não. Não há Repúblicas ou Monarquias feitas de Homens perfeitos. Apenas encontramos tal “espécie humana” em ditadura, totalitarismo e teocracia.
 
Sim. Só há Estados de Direito Democrático quando os Homens, apesar de imperfeitos, são justos e servem a causa pública por ideais, com a autoridade que, entre eles, a alguns permita tornarem-se estadistas.
 
Estadistas, que não abanam nem são deixados abanar por causa de uma dívida de cinco mil euros à segurança social, apesar de paga, depois, em cumprimento de “obrigação natural”.
 
Senhor Primeiro-Ministro:
 
Mostre, sff., a nota de liquidação dos seus impostos aos portugueses e governe até ao termo do seu mandato.
 
Entretanto, se puder, faça um exame de consciência sobre o que está melhor e o que está pior em Portugal desde 2011, e pense se tem um programa político que traga um rasgo novo ao País, em que o País confie e esteja disposto a sufragar.
 
Enquanto isso não acontecer, continuarei a ser seu crítico, sem embargo de defender aquelas que devem ser as regras do jogo, ainda que seja para discordar de si, pois acredito ser esta a política que vale a pena.