Ao início da noite, quando foram adiantadas as primeiras previsões sobre a elevadíssima abstenção, logo vieram todos dizer que isso obrigaria a uma grande reflexão sobre o alheamento dos portugueses relativamente ao exercício da cidadania, que os problemas verificados com os eleitores que foram impedidos de votar, por causa do cartão do cidadão, eram um escândalo, e blá, blá, blá, por aí fora...
Uma hora mais tarde, quando as televisões avançaram que não obstante a abstenção, o Professor Cavaco Silva seria eleito à 1ª volta, a "preocupação" com a baixa afluência às urnas como que se evaporou, começando então, aí sim, o verdadeiro "espectáculo" das declarações, discursos, comentários e análises.
Ao contrário do que seria expectável, uma taxa de abstenção tão alta acabou por beneficiar o Presidente recandidato. Afinal, os votantes em geral e os dos escalões etários mais avançados em particular quiseram mesmo eleger Cavaco Silva. Com uma abstenção de mais de 50%, só há uma explicação para que a corrida tenha ficado resolvida este domingo - os jovens, à partida mais irreverentes, não foram votar.
Seja como for, a verdade é que isso não deslustra a vitória de Aníbal Cavaco Silva, que tem plena legitimidade para exercer o seu segundo mandato presidencial. Depois de, em 87 e 91, ter conquistado duas maiorias absolutas consecutivas (em 85 havia sido maioria relativa) em eleições legislativas, o Professor é, de longe, o político nacional mais destacado pelo número e score das vitórias eleitorais que obteve.
E a quem muito foi dado, muito será pedido...
E a quem muito foi dado, muito será pedido...
Vamos ao discurso do vencedor da noite:
Foram dois. Um, de cariz institucional, dentro da sala reservada no CCB e outro, mais informal, da varanda daquele espaço para a centena e meia de populares que se reuniram no átrio.
Enquanto estava a ver, não queria acreditar no que dizia Cavaco Silva! Soou mal, muito mal... mas então, um Presidente da República, acabado de ser reeleito, e que se proclama Presidente de Portugal inteiro, referencial de estabilidade, factor de união e coesão social, última reserva do Estado, etc. etc., dedica quase metade dos seus discursos, numa toada revanchista, como quem destila fel, a lancinar friamente os seus cinco oponentes, exigindo purgas e chegando ao ponto de instigar que nomes de jornalistas sejam revelados, isto, por causa das alegadas injustiças de que foi alvo, para mais quando, ao mesmo tempo, diz que o povo foi sábio e castigou quem lançou infâmias com vil baixeza?
O Senhor Presidente quer o quê, afinal, se o Povo, como ele próprio diz, soube castigar nas urnas aquela que foi a coligação 5 contra 1?
Sinceramente... sobretudo numa altura em que o Regime está no seu estertor e Portugal por um fio, era fundamental que o Presidente tivesse sido suficientemente magnânimo e patriota para dizer que passada a campanha eleitoral acabaram-se os candidatos, e amanhã será o Presidente de todos os portugueses, sem distinção, a começar por aqueles que se lhe opuseram, os que não votaram nele ou até quem nem foi votar!
Se todos acharam que Defensor Moura - que ficou derrotado e em último lugar, com menos de 2% - foi deselegante, despropositado e até arrogante, ao afirmar que não felicitaria Cavaco Silva pela vitória, o que dizer do vencedor? Aquele que conquistou mais de 50% dos votos e veio lançar-se em ajustes de contas, não saberá que a elevação própria da grandeza que caracteriza os homens a quem o país confia um mandato para mais alto magistrado da nação requer outra "chama" e outra "alma"?
De resto, Cavaco Silva, para além de azedume, pouco disse ao País digno de registo. Dali não veio um pálido sinal esperança, uma mera palavra de conforto, nem tampouco um gesto que tocasse o coração dos portugueses.
Nem por isso deixamos de lhe dizer: Boa Noite e Boa Sorte, Senhor Presidente!