sábado, 7 de julho de 2012

Foi dinheiro a mais...


Dantes, um pouco por todo o País, mesmo aqueles que mais se distinguiam nas «forças vivas» de cada comunidade, poucos tinham chegado ao ensino superior e os «ricos» contavam-se pelos dedos das mãos. A maioria tinha a 4ª Classe e vivia «remediada». Não era, pois, nem pelas habilitações literárias nem pela condição sócio-económica que A ou B gozava de um estatuto de honorabilidade e respeito. Era, sobretudo, por uma questão de honra e bom-nome. Embora a nossa memória não remonte exactamente a esse tempo, ainda assistimos a sinais essa realidade, entre finais da década de 70 princípios da de 80. Na freguesia ou no município, na vila ou na cidade, não podia ser «qualquer um» o dirigente do clube desportivo, da associação recretiva ou da sociedade filarmónica da terra. E «ai» de quem «prevaricasse» nas suas funções, bem como de quem se atrevesse, sem fundamento, a desprestigiar quem prestava tais serviços com brio e mérito, as mais das vezes de modo gratuito. A «censura social», assente em pesados códigos, operava de modo mais eficaz que hoje em dia funciona o «controlo» exercido pelos media. Mas nem tudo era perfeito. O sistema permitia-se a abusos e ostracizações várias. Em todo o caso, bem podia acontecer que um Presidente de Câmara, por exemplo, mudasse o sentido de uma decisão, quando confrontado com o «conselho» de um munícipe, que podia ser o mais modesto dos cidadãos, não ter qualquer grau de instrução e andar descalço... desde que «aquela voz» fosse «autorizada», isso era quanto bastava.

Depois, veio «o progresso», com o acesso generalizado às «normas-fim» consagradas na Lei Fundamental da III República. No início, foi muito bom. Houve um salto qualitativo enorme nos índices de conforto e bem-estar, e não se perdeu de vista o tal «espírito de comunidade» e a tal «consciência colectiva», que premiava o mérito e desprezava que alguém se «armasse em esperto». Foi sol de pouca dura. O País entra na então CEE e começa e ser inundado por pacotes de milhões e susbsídios todos os dias.  A honra começou a ceder aos maços de notas. Foram-se os valores colectivos. Passou a pontificar a ascensão social em massa. A partir da década de 90, já não interessava nada aqueles que tinham sido os pilares sócio-culturais do País. O «sucesso» foi uma panaceia que varreu tudo isso, e o objectivo generalizado focou-se na cultura da «marca», que veio substituir a cultura do «bom-nome»; carro, electrodomésticos, roupa, acessórios, universidade dos filhos, férias, etc. Teve o seu lado positivo; Portugal experimentou o que nunca vira dantes e alguns foram fazendo o seu caminho, com êxitos, naturalmente. Também houve o reverso da medalha; o deslumbramento, misturado com desmedida ambição, gerou uma «salada russa», de falta de escrúpulos. Instalou-se a ideia que o dinheiro tudo compra e passou a achar-se que a aptidão social estava no plafond de um cartão de crédito. Assistimos, então, a um fenómeno esquisito: gente que dantes «não riscava nada» passou a ocupar os lugares com poder de decisão, desde o nível da paróquia até às altas esferas do Estado, tanto no sector público como no privado. Entretanto, os «melhores» foram dando lugar aos «maiores». E na proporção inversa aqueles foram-se desligando da «participação cívica», que quanto mais propalada mais vazia se foi tornando.

E assim aqui chegámos.
Agora, "ai", mas é de quem levante a voz para dizer que «o rei vai nu». Perdemos o que de melhor tinha o Portugal «dos valores» e não conseguimos erigir um Portugal «de valor». Estamos falidos e com a soberania condicionada a um «programa» de ajuda externa que, na verdade, corresponde, pela via financeira, àquilo que seria uma «invasão» em tempos bélicos. Governantes e governados vivem como um casal desavindo, que está separado mas continua sob o mesmo tecto: não se respeitam, não se dão ao respeito, nem podem respeitar-se. Apenas respiram o mesmo ar. O ar está a ficar irrespirável. Grande é a confusão instalada, quer sobre o que «deve ser», quer sobre os desígnios que temos de prosseguir. Falta um novo paradigma, diz-se. A imagem que ocorre para ilustrar a nossa história nas últimas décadas é a de uma viagem de finalistas:

Portugal fez a maior viagem de finalistas de sempre. Foi fantástico mas correu mal. Fantástico, porque foram todos finalistas e a viagem foi a mais cara de sempre. Correu mal porque, no regresso, os melhores finalistas foram parar ao desemprego e estão sem saber como vão criar os filhos, enquanto que outros voltaram promovidos, vêem uma «oportunidade» ao dobrar de cada esquina da crise, e alguns até mandam ou preparam-se para mandar nas freguesias e no País. Foi dinheiro a mais...