Sobre a entrevista exclusiva de
José Sócrates, hoje estampada na Revista do Expresso, isto:
Da conversa com Clara Ferreira
Alves resultou uma “narrativa” interessante, sem dúvida. Sobretudo porque o ex Primeiro-Ministo "abriu mais o livro",
denotando a ânsia de provar que não é destituído intelectualmente, que
aprendeu alguma ciência política nos últimos tempos, e que ainda não lhe passou
o sabor azedo dos últimos cálices que bebeu à frente do Governo.
Do ponto de vista humano, é
compreensível que Sócrates sinta necessidade de partilhar, tanto com o espelho como
com o público, quer o sentimento de injustiça que o corrói, quer a capacidade
que teve para iniciar uma nova vida académica e profissional, ademais bem
sucedida. Neste domínio, Sócrates foi mais igual a si próprio e isso legitima o
respeito que lhe é devido, pois há uma personalidade combativa que lateja no
seu ser.
Do ponto de vista político, a
entrevista, no mínimo, é acidentada. Da nossa leitura ressoam três indicadores
de desnorte. Sócrates põe-se "a jeito". Quando trata o mandato popular como "um
favor". Quando, por outro lado, não resiste a "falar de cátedra" para os seus
camaradas socialistas sobre ideologia, como se a 3ª Via, subliminarmente
proposta, fosse caminho para lado algum que não nenhures, parecendo ainda não
estar desperto para a aurora revisionista da social-democracia. E quando releva
um certo snobismo ao falar da direita, elevando-se à condição de "desejado", cavalgada em que arrasta Durão Barroso para o "altar-mor" do patriotismo.
Por último, há um aspecto
decisivo a salientar na entrevista de José Sócrates, o qual seria bom que não
passasse em branco: o papel da entrevistadora. Não será preciso lupa para
encontrar na narrativa o melhor linho da pena de Clara Ferreira Alves. Basta
atentarmos no tom do linguajar... se as motivações de Sócrates são razoavelmente
conhecidas, concedendo-se que carregue na tecla das suas feridas, já sobre a
empatia, para não dizer osmose, revelada na harmonia entre entrevistadora e
entrevistado, isso será mais imperscrutável.
Talvez a distância entre o
capricho e a remissão seja uma pluma, num restaurante italiano.