sábado, 19 de outubro de 2013

Narrativa caprichosa



Sobre a entrevista exclusiva de José Sócrates, hoje estampada na Revista do Expresso, isto:
 
Da conversa com Clara Ferreira Alves resultou uma “narrativa” interessante, sem dúvida. Sobretudo porque o ex Primeiro-Ministo "abriu mais o livro", denotando a ânsia de provar que não é destituído intelectualmente, que aprendeu alguma ciência política nos últimos tempos, e que ainda não lhe passou o sabor azedo dos últimos cálices que bebeu à frente do Governo.
 
Do ponto de vista humano, é compreensível que Sócrates sinta necessidade de partilhar, tanto com o espelho como com o público, quer o sentimento de injustiça que o corrói, quer a capacidade que teve para iniciar uma nova vida académica e profissional, ademais bem sucedida. Neste domínio, Sócrates foi mais igual a si próprio e isso legitima o respeito que lhe é devido, pois há uma personalidade combativa que lateja no seu ser.
 
Do ponto de vista político, a entrevista, no mínimo, é acidentada. Da nossa leitura ressoam três indicadores de desnorte. Sócrates põe-se "a jeito". Quando trata o mandato popular como "um favor". Quando, por outro lado, não resiste a "falar de cátedra" para os seus camaradas socialistas sobre ideologia, como se a 3ª Via, subliminarmente proposta, fosse caminho para lado algum que não nenhures, parecendo ainda não estar desperto para a aurora revisionista da social-democracia. E quando releva um certo snobismo ao falar da direita, elevando-se à condição de "desejado", cavalgada em que arrasta Durão Barroso para o "altar-mor" do patriotismo.    
 
Por último, há um aspecto decisivo a salientar na entrevista de José Sócrates, o qual seria bom que não passasse em branco: o papel da entrevistadora. Não será preciso lupa para encontrar na narrativa o melhor linho da pena de Clara Ferreira Alves. Basta atentarmos no tom do linguajar... se as motivações de Sócrates são razoavelmente conhecidas, concedendo-se que carregue na tecla das suas feridas, já sobre a empatia, para não dizer osmose, revelada na harmonia entre entrevistadora e entrevistado, isso será mais imperscrutável.
 
Talvez a distância entre o capricho e a remissão seja uma pluma, num restaurante italiano.