Apesar da frescura do novo Presidente da República, o 25 de Abril tem de se "reinventar". Mais no ideário que na forma, porventura.
Nasci dois dias após a Revolução, precisamente. Desde sempre que tive a sorte de saber o que foi a I República e o Estado Novo. Tal como o período do fervor ideológico dos anos 70, desde a aurora democrática até à revisão constitucional de 1982.
Daí para cá, a nossa história colectiva é também a da minha vida e da minha geração. Sabemo-la de cor. Contamos muitos Abris somados. De testemunhos, sonhos, ideias, discursos, evocações, homenagens, realizações, circunstâncias e pessoas. De um País que conheceu nestes anos uma aceleradíssima mudança, não apenas política mas também sócio-económica e cultural.
Abril mudou Portugal. Passados mais de 40 anos, queremos que Portugal mude Abril. Não aquilo que foi conquistado, aquilo que foi conseguido ou aquilo que está realizado. Mas aquilo que está subvertido, que está incumprido, mais o imenso que falta fazer.
Claro que é a qualidade da democracia (a formal é uma falácia) e o bem-estar social (a ruptura mais que iminente do Estado Social) que estão principalmente em causa!
Uma sociedade onde, muitas vezes, os poderes de facto se sobrepõem aos poderes legítimos, de direito, é uma sociedade de medo. Que mete medo.
Uma sociedade que atira os velhos a um canto e nada garante aos novos, é uma sociedade sem esperança. Que exaspera e desespera.
Uma sociedade onde um quarto da população está em risco de pobreza ou exclusão, mais que uma sociedade injusta, é um barril pólvora, com tantas desigualdades.
Hoje, fez o tal "dia inteiro e limpo": nas praças, esplanadas e lugares à beira-mar. Não no Parlamento, onde, por exemplo, vimos uma deputada do PSD ir à tribuna bradar contra a "indiferença" e apelar à participação cívica, enquanto nas bancadas do hemiciclo podiam ver-se clareiras com cadeiras vazias.
Sou por Abril, sim. Aquele que falta. O da República que falta regenerar. O do Estado que falta reedificar. O da justiça social que não brota nem do assistencialismo gauche nem do liberalismo nouveau riche.
Os povos e as comunidades, tal como as pessoas, têm identidade, possuem traços genéticos. Têm raízes e não são imunes a determinantes externas. Trabalhemos, pois, todos e cada um, por fazer mais e melhor a partir de nós mesmos. Como somos, com aquilo que temos, que sabemos e que somos capazes.
Cumprir Abril será agora, primeiro que tudo, encontrarmos soluções próprias para os nossos problemas concretos. Portugal, todo ele, merece uma agenda própria. Ou não fosse a especificidade o traço comum que mais une os portugueses de toda a parte.