sexta-feira, 1 de abril de 2011

Pilatos mora em Belém


Aceite o pedido de demissão do Primeiro-Ministro, dissolvida a Assembleia da República e marcadas eleições antecipadas, o Governo está limitado à  prática de actos de mera gestão.

Pode, agora, o Governo demissionário, limitado a assegurar a gestão dos assuntos correntes até haver um novo Executivo que o substitua, legitimado por uma nova base de apoio parlamentar, accionar o pedido de resgate do País junto das entidades externas competentes?


O Presidente da República, na esteira da leitura constitucional de Marcelo Rebelo de Sousa, faz uma interpretação dos poderes deste Governo em  gestão segundo a qual haverá um levantamento das restrições na esfera dos poderes do Executivo, a saber em matéria de política externa.

Como que a dizer: este Governo pode e deve pedir o resgate, e não tem nada que esperar pelas eleições e subsequente tomada de posse de quem for chamado a governar.

Por seu turno, o Governo, pela voz de Pedro Silva Pereira, primeiro, e Teixeira dos Santos, de seguida, vem dizer que não tendo tido legitimidade para apresentar o PEC IV em Bruxelas, reprovado que foi no Parlamento, agora, em mera gestão, carece de legitimidade constitucional para tomar uma medida de tão profundo alcance e que traduz um compromisso para o futuro com as entidades externas, que não pode garantir. E remete o ónus a Cavaco Silva.

Em que ficamos?
Do ponto de vista jurídico-constitucional, qualquer estudante de Direito do 1º Ano saberia responder que o um governo em gestão está impedido de praticar tal acto, é claro.

Do ponto de vista substantivo, atenta a especialíssima crise em que Portugal se encontra, a resposta já não será para qualquer estudante do 1º Ano, pela razão simples que a solução não está dentro da Constituição.

Chegamos, mais uma vez, a um impasse.

Fechada o livro onde está escrita a Lei Fundamental, o assunto passa para o campo político, e aí tanto é defensável uma como outra das posições.

Tudo se joga em torno daquilo que cada parte entende ser a actuação mais consonante com os «superiores interesses nacionais».

Na prática, o jogo é outro:
O PSD achou que devia passar "uma rasteira" ao Governo.
O PS entende que o PSD passou "uma rasteira" ao País.
José Sócrates, "rasteirado", diz que não tem legitimidade para actuar.
Cavaco Silva, "de pé", lava as mãos, como Pilatos.
Perante isto, Passos Coelho "corta de carrinho", convencido que está que vai ser o novo Primeiro-Ministro, não querendo fazer a sua "primeira-comunhão" com uma chamada para o FMI.


Uma coisa é certa: Sócrates pode ser derrotado, mas beber o cálice até ao fim, também não bebe. Como quem diz «quem vier atrás que feche a porta». Leia-se o Presidente da República e o Governo a quem der posse, após as eleições do próximo dia 5 de Junho.

Haveria ainda, por remota hipótese, uma "saída".
Um pouco na lógica de quem defende que o PR deveria ter "obrigado" Governo/PS e PSD a acordarem a aprovação do PEC, ainda que isso custasse a condição posta por Passos Coelho de serem realizadas eleições antecipadas.

Seria o PM chegar a Belém e dizer:
«Se o Senhor Presidente da República apela ao Governo demissionário para que chame o FMI, e o PSD subscreve o acto sem reservas, assim será... desde que sejam dadas garantias que o PS integra o próximo Governo e Pedro Passos Coelho não será Primeiro-Ministro».

2 comentários:

Anónimo disse...

E de repente vi escrito aquilo que todos pensamos mas ninguém ousa sequer balbuciar.

Não sei, no entanto, se tamanha reflexão não será uma produção do primeiro de Abril.

Não me parece. Apesar de muita opinião partilhada na diferença, tenho um profundo respeito pela capacidade de análise do Ricardo Alves Gomes. E pela forma pragmática como as coloca perante todos nós.

Grata pela reflexão!
Idália Salvador Serrão

Anónimo disse...

Ficou bem explícito que governo,oposição e presidente da republica, "são tudo farinha do mesmo saco".

João Santos