terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Registem os interesses


Ainda no calor da «bronca» sobre os obscuros ajuntamentos entre espiões, políticos e empresários na Loja Mozart, criou-se uma corrente a defender a necessidade de uma lei que obrigue os maçons que estejam no exercício de cargos políticos a declararem tal condição nos respectivos registos (públicos) de interesses. 

Para reforço dessa posição, que conta com várias figuras destacadas, veio a Ministra da Justiça corroborar a tese, advogando a necessidade da medida. É uma discussão teórica interessante, e as razões aduzidas por Paula Teixeira da Cruz são defensáveis. A pedra de toque, diz, reside no facto de um titular de um cargo político não poder comprometer-se com duas obediências conflituantes, quando uma delas, menor, se sobrepõe à superior exigência de defesa da legalidade democrática e do Estado de Direito. Faz sentido.

Acontece, todavia, que o que a maçonaria diz é que também pugna por esses postulados e valores, acrescentando que os seus membros não estão obrigados a guardar sigilo por pertencerem à organização, antes resultando tal praxis dos tempos em que vivia na clandestinidade e os irmãos sentiam-se perseguidos.

Ora, parece-me que legislar no sentido de obrigar um maçon (e porque não um membro do opus dei, dos rotários, ou de uma confraria qualquer?) que ocupa um cargo público a declarar tal condição, num registo de interesses, será não só ineficaz como desprovido de sentido.

Para já, sobretudo por três motivos:

1. O registo obrigatório de interesses dos titulares de cargos públicos que temos é o da Lei nº 4/83, de 02 de Abril, que já vai na 6ª versão, da Lei nº 38/2010, de 02 de Setembro (a «famosa» Lei do controlo da riqueza dos titulares de cargos políticos). Nos termos do nº 3 existem sanções para o seu incumprimento, que podem ir desde a punição pelo crime de falsas declarações até à perda do mandato. 

Pergunta-se: quantos titulares já foram punidos por falsas declarações e quantos já perderam o mandato?
As declarações são públicas, qualquer cidadão pode ir ao Tribunal Constitucional consultá-las... os senhores jornalistas que vão lá ver, como eu já fui, e depois falamos... com uma ineficácia da aplicação da Lei tão descomunal relativamente ao controlo dos rendimentos, havia de ser «bonito» garantir uma eficácia, agora alargada ao controlo quanto às instituções a que cada um pertence.

2. Por outro lado, uma Lei feita a pensar na maçonaria acaria por ser um «convite» a um regresso sos tempos da clandestinidade, pelo que o mais certo seria selar-se um «pacto de silêncio» entre os membros, muitos dos quais simplesmente omitiriam tal declaração. Como controlar? Polícia política? E a questão da igualdade face a outras instituições ou credos? Será possível o legislador prevêr todas as situações em que o titular do cargo político pode, eventualmente, incorrer em obediências conflituantes?

3. Por último, sem entrarmos em demagogias, talvez não seja descabido pensarmos no exemplo da «Lei Seca», nos EUA, nos anos 20 do Século XX, quando a venda de álcool foi proibida. Era proibido vender, mas foi impossível proibir beber. E nunca se vendeu tanto, nem houve tantos gangsters a lucrar à custa do negócio...

A questão não passará, pois, tanto pela obrigatoriedade da declaração, que acarretaria mais problemas que soluções. Mas sim pela eficácia da acção penal do Estado, nos casos em que existam fortes indícios da existência de ilícitos criminais. Aí sim, a Procuradoria-Geral da República, e a própria Assembleia da República, só têm de exercer os poderes que lhes estão atribuídos de modo mais efectivo, coisa que todos reclamam, num controlo que, todavia, constitucionalmente, jamais pode ser feito a montante e em abastracto, em observância do princípio - nulla poena sine crimine. 

Por outro lado, levantada que está a celeuma, deixar ao critério dos candidatos e/ou titulares de cargos políticos a divulgação daquilo consideram relevante para o mais impoluto desempenho de funções ao serviço do Estado e do interesse público, será a melhor forma de sujeitar cada qual ao seu exercício de aptidão cívica, cujo melhor cominação é política. Do domínio da relação entre a ética do eleito e o juízo do eleitor.

E isso só pode ser reprovado ou aceite caso a caso. Depende.