sábado, 3 de setembro de 2011

Mau tempo no Canal

Mal foram proferidas as recentes declarações do Governo da República, sobre a incapacidade de suportar os custos anuais da RTP/Açores (13 milhões de euros), e de ser premente tomar medidas de contenção que passam, entre outras, pela redução das horas das emissões diárias, desencadearam-se reacções na Região, com a classe política local a abespinhar-se, o establishment a alvoroçar-se e, por suposto, a opinião pública a indignar-se também.

Nada disto faz sentido.

Nesta, como noutras matérias, a Região Autónoma dos Açores, a coberto do sempiterno “chapéu-de-chuva” do seu Estatuto Político-Administrativo e dos puídos argumentos das suas especificidades geográficas, históricas e culturais, considera-se vitaliciamente merecedora de uma “discriminação positiva”, qual “via de um só sentido” para reforço dos laços de coesão nacional, que hoje, verdade se diga, já pouco tem a ver com a validade intrínseca da bondade constituinte, consagrada na Lei Fundamental de 1976.

Presentemente, tal “porto de abrigo” serve, isso sim, para sustentar reivindicações que, ao fim e ao cabo, traduzem-se numa cultura enquistada de “direito à dependência”, numa chantagem manhosa com as “obrigações assistencialistas” do Estado Central, quando não da União Europeia, e num estrebuchar típico da mais despudorada sofreguidão em “alimentar caciques, famílias e clientelas”, como se Ponta Delgada fosse uma pequena Palermo.

Vamos à RTP/Açores:

- Criada em 1976, a RTP/A foi, durante mais de uma década, e com limite de horas de emissão diária (e ainda censura de certos conteúdos, diga-se de passagem), o único canal televisivo do Arquipélago, isto, por vontade do Governo Regional, que durante esse tempo nunca quis “abrir o sinal” ao Canal 1 da RTP. Era, como todos sabem, uma espécie de “emissora oficiosa” do Poder Autonómico. Funcionou assim, mas nem tampouco em todas as ilhas, pois nalgumas, as então consideradas “zonas escuras”, a “mira” da RTP/Açores só chegou na segunda metade da década de 80;

- Já na segunda metade da década de 90, o Executivo de Carlos César abriu a Região às transmissões da RTP1 e RTP2, passando o Estado, portanto, a cumprir cabalmente a sua obrigação de serviço público, quer por via dos Canais 1 e 2, quer através do suporte financeiro à RTP/Açores que, entretanto, aumentou as horas de emissão e aumentou a sua grelha de programas, não raras vezes repetindo os conteúdos dos canais públicos nacionais e chegando a comprar produtos a agências externas;

- Por outro lado, nem falamos aqui dos subjectivos critérios de programação e da duvidosa qualidade de certos conteúdos, tanto da RTP/A como da RDP/A, a começar por aspectos tão elementares, como o português empregue, passando pela sobreposição de emissões, até, por exemplo, à recente criação da Antena3/Açores, que, claro, no entender da RDP/A, não pode ser emitida em “canal aberto”, devido, pasme-se, à “especificidade do auditório açoriano”.

Ora pergunta-se:

Faz sentido o Estado Central assegurar à Região Autónoma dos Açores as emissões da RTP/RDP e ainda ter de suportar os custos da RTP/A e RDP/A? É claro que não.

A RTP/A e RDP/A devem existir? É claro que sim.

Mas atenção. Se os Açores, que têm autonomia político-administrativa e financeira (têm mesmo?), para além do serviço público de radiotelevisão nacional, querem, paralelamente, proporcionar aos açorianos um serviço público regional de radiotelevisão, então, os actuais Centros da RTP/A e RDP/A devem passar para a esfera do domínio regional, que é como quem diz, deve ser a Região Autónoma a pagar a conta, limpinho.

A propósito de como o assunto é tratado pela classe política dos Açores, será elucidativo transcrever aqui um excerto de um artigo de opinião intitulado «Defender a RTP/Açores», publicado ontem no jornal A União, da Ilha Terceira, por Berto Messias, que é “só” líder da Bancada do Partido Socialista na Assembleia Legislativa Regional. Diz o deputado regional:

“O serviço público de Rádio e Televisão numa Região como a nossa deve ser encarado como uma questão de soberania, que tem de ser assumida pelo Estado, e que deve estar ao mesmo nível das questões relacionadas com a Defesa Nacional ou com a Segurança. Trata-se de um pilar fundamental da nossa vivência enquanto comunidade.”(Sublinhado nosso).

Adiante:

Na “água da polémica” da RTP/A, veio, finalmente, a questão de fundo, do montante da dívida da Região Autónoma dos Açores.

Reservando-nos para outra ocasião sobre matéria tão delicada, que há-de conduzir, em última análise, à discussão do próprio modelo autonómico, e das medidas a adoptar para a viabilização financeira e económica da RAA, aqui ficam as declarações de Sérgio Ávila, que é “só” Vice-Presidente do Governo Regional:
http://www.rtp.pt/acores/index.php?article=22614&visual=3&layout=10&tm=10