sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Terra queimada


É claro que a organização político-administrativa do País apresenta distorções, e que há casos em que as necessidades do presente não condizem com as realidades do passado. Portugal, de facto, mudou muito nos últimos 30 anos.
 
Mas isso não pode em caso algum legitimar um «corte cego» no mapa das freguesias existentes, como aquele que a  Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território (UTRAT) entregou ontem na Assembleia da República, segundo o qual 1/4 das freguesias são, pura e simplesmente, «varridas do mapa».
 
Para mais, é um erro clamoroso que tal aconteça por causa da interpretação mais literal do «Memo da Troika». 
 
Estamos a falar de entes públicos de base territorial que em boa medida constituem o último elo entre as populações e o Estado, no último reduto institucional de comunidades que carecem de incentivo no lugar de «certidões de óbito».
 
No litoral, particularmente nos concelhos maiores e de características urbanas, como Lisboa, por exemplo, tais questões não se colocam com a mesma acuidade.
 
Mas no interior, em locais em que já não há escola primária, nem posto médico, nem jovens, nem esperança, extinguir freguesias significa decretar uma verdadeira «política de terra queimada», com consequências perniciosas a vários níveis.
 
Só quem não conheça a nossa história e não tenha um pouco de sensibilidade social é que assim não poderá pensar. Afinal, a maior parte das freguesias existe para cumprir um determinado papel no contexto do concelho a que pertence, do distrito em que este se integra, e do País escorado nestes pilares políticos e administrativos, mas também geográficos, sociais, culturais e económicos.
 
É tão pertinente como curioso notar que, numa altura em que tanto se fala do problema demográfico português, pareça não haver quem estabeleça um «nexo de causalidade» entre envelhecimento da população, desertificação do interior, harmonia no desenvolvimento de todas as parcelas do território, e premência em contrariarmos o «êxodo rural», de modo a evitarmos, também assim, muitas das bolsas de pobreza que assolam as grandes cidades.
 
Faz-nos muita falta um «plano nacional de apoio ao desenvolvimento rural». A continuarmos por este caminho, qualquer dia somos um País de suburbanos... em absoluta contradição total com a essência das marcas identitárias da Nação mais antiga da Europa.