quarta-feira, 9 de março de 2011

Para que conste - A (re)união nacional

Antecipam os jornais que o discurso de posse do Presidente da República reeleito fará apelo à política da verdade, terá nos jovens um dos principais enfoques e manifestará a propensão para uma magistratura mais activa. Dito assim, parece bem.


Aqui ficam os principais excertos do que escrevi a 09.03.2006, agora com alguns sublinhados:

A (RE)UNIÃO NACIONAL

No momento em que escrevo estas linhas, o recém-empossado Presidente da República, Cavaco Silva, já saiu do Parlamento e dirige-se para o Palácio de Queluz, onde condecorará o Presidente cessante, Jorge Sampaio (...) com o Grande Colar da Ordem da Liberdade.

Da “posse”, propriamente dita, se retirarmos a “espuma mediática”, daquela que foi a cerimónia protocolar do género mais “propagandeada” até hoje, há meia dúzia de aspectos a reter e que traduzem politicamente algo -que tem tanto de inédito quanto de bizarro -três décadas passadas sobre a fundação da III República em Portugal.

Voltámos, sob o manto daquilo a que ainda se chama “Democracia do pós-25 Abril”, a tempos de verdadeira “União Nacional”.

Vejamos, então, algumas reacções sintomáticas ao discurso de Cavaco Silva:

- O Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, estava tão ufano que até parecia mais veloz e menos desengonçado e -até ao momento de acompanhar a primeira figura do Estado à escadaria de S. Bento -não “descolou”, por um segundo, um milímetro que fosse, do ombro de Cavaco;

- O Primeiro-Ministro, José Sócrates, muito sorridente, declarou, que as linhas traçadas pelo Presidente “iam de encontro à política do Governo”;

- Excepção feita ao esperto Francisco Louçã (que viu aqui uma oportunidade de ganhar espaço à esquerda) e à CDU (que não lhe quis ficar atrás), todas as bancadas parlamentares (PS, PSD e CDS) aplaudiram Cavaco - de pé - e os respectivos líderes desfizeram-se em reverentes elogios ao novo Presidente;

- Entretanto, nas televisões, os analistas políticos, geralmente mordazes, desta vez foram tão doces nos seus comentários quanto a paz de “Deus com os Anjos” que se adivinha entre Belém e S. Bento;

- Já Paulo Portas, ao fazer o seu novo “debute”, na SIC, na antevéspera, tinha “amanteigado”, numa análise “redonda”, onde foi capaz de ir ao ponto de dizer que, “a sua relação com Sampaio era impecável” e que “já tinha votado em Cavaco Silva duas vezes”…;

- Até Carlos César -que costuma ser “diplomata” sem deixar de imprimir um certo acinte na ironia - quis compartilhar do “cálice” e fez, sem reservas, o seu “louvor público” a Cavaco Silva.

(...)
Portugal vive, assim, de novo, em regime de “União Nacional”.

(…)
Passadas as principais hierarquias, vem a oposição, supostamente de “centro-direita”.

Quanto à oposição, por incrível que pareça, também ela está contente. O líder do principal partido da oposição, Marques Mendes, contenta-se em fazer o que pode no meio do soçobrar do “aparelho laranja”, mas -não esqueçamos - ainda tem a maioria das autarquias do país para se entreter. Bem vistas as coisas, ainda assim, é muita gente e ainda são muitos “focos” de poder.

(...)
Espera-se, ao menos, que no meio deste “mar da palha”, se dê cabo do malfadado deficit das contas públicas. A estabilidade política é ainda um bem necessário para que não só se diminua a despesa pública, como se aumente o investimento privado, a produtividade e a competitividade.

Agora, uma coisa é certa. Desenganem-se aqueles que pensam que a “União Nacional” ou o “Bloco Central” vão fazer de Portugal um Estado definitivamente decidido à reestruturação política, à reforma social e à modernidade nos novos vectores por onde passa o desenvolvimento sustentável.

Para isso, era necessário que não “estivessem todos contentes”.

(...)
Quem não entender isto, apenas se ilude, no país do “senhor Feliz e do senhor Contente”, hoje selado, com a reunião nacional.

(...)
O “ciclo novo, do tempo novo”, curiosamente, poderá, de facto, começar.
Mas pela via da “contra-posição”. Nunca pela “situação”.

(Publicado no jornal “As Flores”, na edição de Março de 2006)