quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Golpe fatal


Nos anos de 2008, 2009, 2010, excepção feita a uma frase durante uma Mensagem de Ano Novo, o Senhor Presidente da República esteve mudo e permaneceu calado. O silêncio de Belém chegou a ser ensurdecedor. Para nota de rodapé, ficou registado o "Estatuto dos Açores" e o "Watergate na Casa Civil".

Assim foi até Janeiro de 2011, com a reeleição logo na 1ª volta das presidenciais à vista, que alcançou. De seguida, insustentável que se tornara a relação com José Sócrates, o princípio da «cooperação estratégica» foi rasgado e o Presidente deu sinais (no 25 de Abril, p.ex.) da necessidade do País mudar de rumo, como quem diz - nova Troika, nova aliança, nova governação.

Passadas as eleições legislativas antecipadas, a posse do Governo de Passos Coelho, e um Verão de meias medidas, em que o PS fez férias, chegámos a Outubro de 2011, com Portugal à beira da bancarrota, apesar do empréstimo entretanto concedido.

Os portugueses interiorizaram a extrema gravidade da situação, ou os "tumultos" teriam começado quando o Ministro das Finanças apresentou a Estratégia Orçamental, logo nos primeiros dias de Setembro.

Passado um mês, com o cenário político e macro-económico a agravar-se na Europa, ou tínhamos um Orçamento para 2012 de autêntica consolidação, que inspirasse a confiança dos credores, ou seríamos arrastados para o teatro grego. Impunha-se que Portugal fizesse das tripas coração e todos cerrassem fileiras, apesar dos protestos de muitos, de resto compreensíveis.

De repente, "Lázaro" levanta-se e fala. Numa entrevista televisiva a partir dos jardins do Palácio em fins do mês passado, no 05 de Outubro, e mais recentemente numa deslocação a Itália. Nesta nova fase, agora da força da palavra, no essencial fê-lo bem, a ajuizar pelas reacções desencadeadas.

Eis que ontem, se o Primeiro-Ministro já tinha vindo dizer aos portugueses que este seria o Orçamento* mais doloroso de que há memória, o Presidente da República, com sua interpretação constitucional do conceito de «equidade fiscal», num "assomo sidonista", veio "incendiar" o País.

Desde logo, vem dar abrigo a um eventual voto contra do PS, que vai quebrar o Pacto FMI/Partidos.

Depois, vem constituir-se patrono dos sindicatos e todas as forças de protesto, que agora esmeram-se a amolar facas para a mega-manifestação de 24 de Novembro.

Por outro lado, vem azedar, na pior altura possível, a relação com o Governo, que agora fica irremediavelmente ferido na asa.

Por fim, e para cúmulo, vem dizer "apenas" isto à União Europeia - cá dentro, não nos entendemos.

Toda a gente sabe que o Presidente da República não deixa sequer um átomo ao acaso. Cavaco Silva não iria ociosamente atrás do pregão da "sensibilidade social", sabendo a priori, como sabe, que as suas palavras cairiam como uma bomba, caso não tivesse um motivo bem definido.

Que será que Cavaco Silva sabe que nós não sabemos?

- Que os sacrifícios são em vão, por não haver salvação possível?
- Que quer chamar a si a mão do jogo político-partidário, numa investida presidencialista, descrente do Governo e da Assembleia da República?
- Que o Chefe do Estado deve abdicar da concertação institucional em torno das metas traçadas, em favor de um papel mais cómodo, a salvo do descontentamento, qual válvula de escape da indignação?

Em qualquer caso, a partir de ontem, o Senhor Presidente da República está obrigado a dar explicações.
Ou fala já, ou a machadada que desferiu vai abrir um golpe fatal.

* Curioso é notar que já no Domingo passado Marcelo Rebelo de Sousa, na TVI, fora muito contudente na crítica à Proposta de Lei do Orçamento apresentada pelo Governo.