sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Carta ao Rui Costa: este mundo não era para ti



Caro Rui,

É da praxe. Escrevinham-se umas coisas.
És outside the box. Falta tempo e distância.
Grande, da tua altura, será a propriedade para fazer o teu elogio. Virá.
Diz-se que os escritores estão num patamar superior. E estão. 
Acima desse anel, só os poetas. Consta que têm as chaves do Olimpo. Diz-me tu.

Podes rir à vontade. Imagino.
No clube dos consagrados, onde estás, a ordem é total. Naturalmente.
Nesse exército de notáveis é preciso ter licença para falar. Calo-me.

Vamos a coisas mais prosaicas.
Por aqui, à escala, também devia ser um pouco assim.
Digo-te. Aproveito a defesa de que não precisas. Alego em nome da crítica.
Achas bem? Muito bem.

Dei uma volta pela internet. Fui espreitar blogues e jornais.
É só mesuras e encómios. Nem calculas o que te chamam:
Rui Costa, poeta; Rui Costa, promessa das letras portuguesas; Rui Costa, advogado em Lisboa e Londres; Rui Costa, isto e mais aquilo
Está demais. Porreiro, pá!

Tiveste que desaparecer para te procurarem e descobrirem.
Tiveste que te transcender para te notarem e cobrirem.
Quando batias às portas, não vi uma única linha.
Quando emigraste, não li um único comentário.

Guardo as conversas que tivemos, já tu estavas «exilado» no Rio.

Não digo? Isso é que sim.
Não venham cá com o fado que «isso é de ser assim».
Por que não tem de ser assim. Não é assim.
Pobre País onde o talento é ostracizado em vida, onde só a morte resgata!

Sabes que mais, Rui?
Para a História, ficas como poeta. Porventura estás no lugar certo.
Mas para os da tua amizade, ficas montes de outras coisas.
Não comeces a desconversar. E não digas que não com a cabeça, sff.
Foste parar a poeta porque a esperteza vale mais que a inteligência.

Definitivamente, este mundo, tão pequenino e limitado, não era para ti.

És um exemplo.
A tua vida, claro, o maior dos teus escritos.

Inclino-me perante a tua memória e interrogo-me sobre a tua razão.

8 comentários:

Anónimo disse...

Muito bonito Ricardo. Como e' a vida... Pergunto-me agora porque e' que nao falava com ele ha' tantos anos...
Paz e' o que mais lhe desejo.

Rita disse...

Agora que morreu, quantos não gostariam de ter sido amigo dele! Belo preito, ó eleito

RF

Rita disse...

Ui, anónimos com insinuações! Na minha gente é pergaminho: quem fala dá a cara ou então cala-se.

Mas respondo eu: o RAG falou com o poeta-herói agora morto há muito pouco tempo.

Rita Maria Roquette de Quadros Ferro, 56 anos, dois filhos, dois netos, amiga e admiradora há anos do proprietário deste blog - pela inteligência, pelo carácter, pela coragem, pela total incapacidade de não se fazer assinar quando se exprime

Carla disse...

Há 2 ou 3 dias atrás, não havia quase nada. Mas ele também nos deixou tudo o que precisávamos, a amizade e o carinho, até uma ou outra palavra mais dura. Faz parte.

Su disse...

Subscrevo-te, porque te acompanho em sentimentos expressados, porque o Rui deixou uma marca em nós (acho que posso falar por mais do que eu) que convivemos com ele "não poeta", porque ele era, é e será sempre GRANDE, porque a liberdade veio sem o deixarmos ir. Digam o que queiram dele, o que fica dentro de cada um é único como ele se relacionou connosco. Que o conservemos, com carinho.
Um beijo

Anónimo disse...

De tudo o que li, varrendo a internet procurando respostas e também alento, essa foi a melhor surpresa. Muito próximo do Rui, quase como ele diria sobre si mesmo.

Conheci Rui no "exílio" e convivi com todas as suas faces. Amei todas elas. Agora ele é imortal.

Monique

Maria do Mundo disse...

Bela homenagem a um iluminado puro!
Obrigada Ricardo!

Anónimo disse...

Obrigado pelo texto.

Um abraço
António Costa