quinta-feira, 11 de março de 2010

A entrevista hora H

A entrevista que o Presidente da República deu à RTP terá sido a mais crucial de toda a vida pública de Cavaco Silva. Meia dúzia de notas chegam para demonstrá-lo:


1. A aferir pelas afirmações do Presidente, não apenas pelo conteúdo mas também pelo tom indisfarçavelmente grave com que se dirigiu a Judite Sousa, se dúvidas existissem acerca da altíssima precariedade da nossa situação económico-financeira, elas ter-se-iam dissipado de vez. A diferença entre estar submersos e ter batido no fundo reside “apenas” no facto de não termos o nosso descalabro à mercê do controlo de entidades externas;

2. Partindo deste mega argumento que de facto entronca, em último grau, no mais firme empenho em salvaguardar a soberania nacional, só faltou ao Presidente fazer “um desenho” para dizer que não fará soprar a mais leve brisa que suscite a detonação da “bomba atómica” e conduza Portugal a um cenário de eleições antecipadas. Isto, refira-se, na mais restrita e formal interpretação dos poderes presidenciais de que há memória, ficando, assim, "atribuído" esse impulso exclusivamente à oposição, leia-se, futura liderança do PSD;

3. No mais, foi um Presidente agarrado ao guião defensivo, que cumpriu à risca, e visivelmente inclinado para um segundo mandato prosseguindo até lá na linha do único caminho possível; segurar e segurar-se no Governo que resulta do figurino parlamentar subsequente às eleições de Outubro último, sendo clararíssima a sua ânsia em demarcar-se de todos as questões melindrosas e constante o seu esforço em dar mais oxigénio ao regime exangue;

4. Fez lembrar aquele aluno que sabe tudo na ponta da língua para o exame e que, compenetrado na sua prova, não dá conta que está cada vez mais isolado na sala, pois não consegue ouvir o toque das sirenes. Significa isto que, pelo menos até Janeiro próximo, por vontade do PR a verdade oficial transmitida ao País será de que as instituições democráticas estão a funcionar regularmente;

5. Ora, se a ponderação e o elevado sentido de Estado são pontos assentes em Cavaco Silva, largarmos aqui matéria que reúne consenso institucional para descortinarmos, do ponto de vista político-partidário o que a posição do PR acarreta, sobretudo para o maior partido da oposição, em cima de um congresso determinante:

Depois desta entrevista o PSD ficou entre a espada e a parede. Autenticamente. Os candidatos conhecidos até ao momento ficaram sem margem de manobra para "virar o bico ao prego" e serão “presos por ter cão, presos por não ter”. Se avançam com uma moção de censura, compram uma guerra sem preço a Belém. Se não avançam, serão “nados-mortos”, após terem embalado na auto-afirmação das suas capacidades de comando. Portanto, a não ser que algum tenha força para arriscar tudo, vêem-se agora numa "ratoeira”.

Das duas uma:

Ou brota do Congresso uma solução alternativa, em que o PSD consegue “dar a volta por cima”, propondo celebrar um acordo de regime com o PS, que envolva também o CDS/PP, de modo a assegurar que esta Legislatura chega ao fim e que os partidos do “arco do poder” concorrem juntos para tirar Portugal da linha de água. Ou o PSD apresenta um candidato a Primeiro-Ministro imediatamente, pronto para ir a eleições e formar novo Governo ancorado numa maioria absoluta na Assembleia da República, nem que isso custe um corte com Cavaco Silva e o lançamento simultâneo de um nome de centro/direita para se candidatar a Belém no próximo ano.

Concluindo, José Sócrates e Cavaco Silva dificilmente vão deixar de viver e morrer politicamente juntos. E o PSD, se quiser ressuscitar, no mínimo, terá de saber apear Sócrates e fazer Cavaco Silva seu refém. É o único caminho que resta ao Partido Social-Democrata, pois se a clarificação ficar em “banho-maria”, mantendo-se o impasse em que Governo e Parlamento se bloqueiam, o mero arejamento através de novos líder e órgãos dificilmente bastará para tornar a adiar uma ruptura iminente.

1 comentário:

JAJ disse...

Tendo visto apenas recortes da entrevista, concordo com a análise feita.
Na minha opinião pessoal (eh,eh) com estes figurantes Passos Coelho tem a vitória mais do que garantida. Tem um discurso um programa e ideias mais estruturadas e fluentes e no congresso basta-lhe manter o registo. Já os outros candidatos, terão de fazer algo extraordinário para "virar" os militantes. O que não creio que venha a acontecer. Portanto ainda julgo que da área de Rangel e Branco vai surgir um candidato que "obriga" estes dois a desistirem e que penetra também no eleitorado (algum) de Passos Coelho. Será Marcelo? será Rio?
De uma forma simplista, e tendo em conta a última parte do teu post, poderíamos pensar em Rio para primeiro ministro e Marcelo para a presidência.